A cena passa-se no dia do nascimento de Afrodite, apresentada aqui mais como a deusa da Bondade do que do Amor (203c). Eros não nasce de Afrodite, como o deixam entender numerosas narrativas mitológicas, nasce sob o signo da beleza. É por isso que, sem ser ele mesmo belo, será aspiração pela beleza (cf. a continuação inspirada do discurso de Diotima). É filho de Poros (Recursos), ele mesmo filho de Métis (Sabedoria, inteligência prática). A personificação desse nome, que significa, antes de mais nada, “passagem”, “via”, não é uma grande invenção de Platão, mas toda a descrição encantadora da figura paterna nos remete à idéia de uma natureza inventiva e astuciosa, sempre à espreita, na procura ou na caça.
Engenhoso (Porimos), Poros é aquele que sempre sabe encontrar os meios (as “passagens”) para obter aquilo que visa. Risco e aventura não lhe fazem medo: é, essencialmente, investigador, caçador, conquistador. Foi gerado por Penia, pobre mendiga, que se aproveita do sono pesado de Poros para se unir a ele, esperando com isso conseguir algum alívio para sua miséria. Tudo a caracteriza negativamente: miséria, indigência, vida de vadiagem, sem teto nem lei. Todo o seu ser não é mais do que um vazio, sem os meios que o permitiriam preencher. É o anti-Poros, já que ela mesma é Aporia.
Eros herdou de seus dois pais, ao mesmo tempo, numa mistura, afinal de contas, feliz, ainda que não seja harmoniosamente estável: mendigo e investigador, inquieto e apaixonado, pobre em bens materiais, mas rico em recursos potenciais, não tem nada, mas quer muito. Daí sua natureza dinâmica, mas instável, seu caráter ardente, mas caprichoso, sua engenhosidade inventiva, mas sempre insatisfeita. Está em penúria, mas conhece sua penúria; quer sair de si e aspira por saber, por beleza e por fecundiade.
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